O Fingimento Artístico: o Poeta "Bucólico"
Alberto Caeiro surge como o primeiro heterónimo de Pessoa, autor de "O Guardador de Rebanhos". Apresenta-se como um homem do campo sem estudos, que vive em harmonia com a Natureza. O seu estilo poético caracteriza-se pela simplicidade e clareza, rejeitando regras poéticas tradicionais.
Apesar de se proclamar "o único poeta da natureza", a sua visão é profundamente idealizada. O seu aparente bucolismo esconde na verdade apreciações abstratas e filosóficas. Este é precisamente o seu fingimento artístico: fazer crer que a sua poesia surge de forma espontânea e natural, quando na verdade é fruto de elaborada reflexão.
A sua poesia parece simples e instintiva, mas contém profunda filosofia. Ele afirma: "Não me importo com as rimas. Nenhumas vezes", sugerindo um desprezo pelas convenções poéticas em favor de uma expressão mais autêntica e direta da realidade.
Nota importante: O fingimento em Caeiro é paradoxal - ele finge não fingir, criando a ilusão de uma poesia espontânea e natural quando, na verdade, é meticulosamente pensada.
Reflexão Existencial: o Primado das Sensações
Para Caeiro, a realidade define-se pelas sensações, especialmente a visão. Como uma criança, ele procura captar a essência da realidade através do olhar ingénuo. A sua filosofia existencial é simples: não pensar, não crer, apenas existir, tal como a Natureza.
Os seus poemas expressam uma aceitação natural da realidade, vivendo no presente sem recordar o passado ou antever o futuro. O objetivismo de Caeiro recusa o envolvimento emocional, afirmando que "os seus poemas são o que houve nele de vida".
Embora use linguagem simples e concreta para expressar sensações aparentemente espontâneas, estas são na verdade produto de reflexão elaborada. Caeiro revela-se assim o mais cerebral dos heterónimos, afirmando "Eu nunca guardei rebanhos" – confessando o seu próprio fingimento.
Contradições na Poesia de Alberto Caeiro
A poesia de Caeiro está repleta de paradoxos fascinantes. Ele rejeita o pensamento, mas os seus poemas são reflexões profundas em vez de descrições da realidade campestre. Nega a filosofia, mas apresenta uma clara filosofia de vida nos seus versos.
Afirma representar apenas sensações diretas, mas constantemente analisa-as e reflete sobre elas. Estas contradições não são falhas, mas sim elementos essenciais da sua criação poética, revelando a complexidade do seu fingimento artístico.