A Casa em Almada e o Início do Drama

A ação começa numa casa nobre em Almada, ricamente decorada com vista para o Tejo. Logo na primeira cena, encontramos Madalena lendo um trecho de "Os Lusíadas" sobre Inês de Castro, refletindo sobre sua própria felicidade frágil.

Telmo, o aio da casa, junta-se a Madalena. Este velho criado possui um papel crucial, pois serviu o primeiro marido de Madalena, D. João de Portugal, e mantém a convicção de que seu antigo senhor ainda está vivo, apesar de todos o considerarem morto há sete anos.

Maria, filha de Madalena e Manuel de Sousa Coutinho, é descrita como uma jovem extremamente inteligente e madura para sua idade. Telmo nutre um carinho especial por ela, embora inicialmente tenha resistido a aceitá-la por lealdade a D. João.

Atenção! A relação entre Telmo e Madalena é essencial para compreender o clima de tensão que permeia a obra, pois ele constantemente lança indiretas sobre a possibilidade de D. João estar vivo, baseando-se numa carta em que o fidalgo prometia voltar "morto ou vivo".

Tensões Familiares e Conflitos Internos

Madalena teme que Telmo revele segredos do passado a Maria, preocupada com a fragilidade emocional da filha. A jovem Maria, por sua vez, demonstra curiosidade constante e questiona as conversas enigmáticas entre a mãe e Telmo.

Telmo expressa diretamente a Madalena seu ressentimento, acusando-a de não ter amado verdadeiramente D. João e de ter se apressado em aceitar que ele estava morto para poder casar-se com Manuel. Madalena defende-se argumentando que "não se pode controlar quem se ama", mas o aio permanece irredutível em sua lealdade ao primeiro marido.

A saúde de Maria é outro motivo de preocupação constante. Todos a consideram demasiado frágil, tanto física quanto emocionalmente. Madalena teme que revelações sobre seu primeiro casamento possam ser devastadoras para a filha.

O cenário político também se manifesta: Lisboa sofre com a peste e agitações políticas. Manuel está na capital, e Madalena pede a Telmo que busque notícias com Jorge, irmão de Manuel e frade no convento próximo.

Importante! A constante menção à fragilidade de Maria e sua inteligência precoce cria um pressentimento de tragédia iminente que permeia toda a obra.

Anúncios de Desgraça e Conflitos Políticos

Maria revela que tem visões noturnas e utiliza papoilas (plantas com propriedades narcóticas) para conseguir dormir. Estas flores, que acabam por murchar, simbolizam a fragilidade da família e prenunciam sua destruição.

A jovem também expressa frustração por ser mulher e não poder realizar os desejos militares do pai, chegando a desejar um irmão que pudesse concretizá-los. Esta maturidade precoce preocupa Madalena, que teme pelo bem-estar emocional da filha.

O contexto político intensifica-se: os governadores portugueses, apoiadores dos espanhóis, querem fugir da peste de Lisboa para Almada. Maria critica-os duramente por abandonarem o povo quando deveriam protegê-lo, demonstrando ideais patrióticos similares aos de seu pai.

Jorge, o irmão frade de Manuel, confirma as notícias e revela que os governadores pretendem instalar-se na casa de Manuel. Esta revelação prepara o terreno para um conflito, já que Manuel é um ferrenho defensor da independência portuguesa.

Lembra-te! O simbolismo das papoilas murchas é um elemento literário poderoso que antecipa o destino da família - assim como as flores perdem sua vitalidade, também o núcleo familiar será destruído pelos eventos que se aproximam.

Patriotismo e Sacrifício

Manuel retorna e recebe a notícia de que os governadores, que considera traidores por apoiarem os espanhóis, pretendem instalar-se em sua casa. Seu forte sentimento patriótico e sentido de honra fazem com que se recuse a abrigar aqueles que traem Portugal.

Madalena tenta acalmá-lo, temendo consequências para toda a família, especialmente para Maria que fica visivelmente perturbada com estas tensões. Jorge sugere que se mudem para o antigo palácio de D. João de Portugal, primeira residência de Madalena.

Embora Manuel não se incomode com a ideia de ocupar a casa do primeiro marido de Madalena, ela resiste fortemente, receando que isto traga má sorte. Sua hesitação revela seu temor profundo de que as palavras de Telmo sobre D. João estar vivo possam ser verdadeiras.

A situação precipita-se quando Manuel descobre que os governadores adiantaram sua chegada. Num gesto dramático de resistência, Manuel decide incendiar a própria casa antes de entregá-la aos "traidores". Este ato simbólico encerra o primeiro ato, com a família observando as chamas consumirem sua residência.

Dica! O incêndio representa mais que um ato político - é o ponto de rutura que força a família a mudar-se para a casa de D. João, colocando em movimento os eventos trágicos que se seguirão.

Segredos do Passado

O segundo ato decorre no palácio de D. João de Portugal, onde a família se instalou após o incêndio. O ambiente é opressivo, dominado por retratos de cavaleiros e do próprio D. João, criando uma atmosfera de medo e tristeza.

Maria questiona Telmo sobre os retratos, especialmente interessada na figura central. Telmo evita responder diretamente, temendo que ela descubra o passado de sua mãe. A conversa deriva para os outros retratos - S. Sebastião e Luís de Camões - permitindo que Maria demonstre novamente seu patriotismo e inteligência ao discutir literatura portuguesa.

Insistindo no retrato central, Maria observa a expressão triste da figura, notando que apenas a espada parece dar-lhe alegria. Telmo, em seus pensamentos, reconhece que se trata de D. João e lembra que, além da guerra, ele também tinha o amor de Madalena.

Durante esta conversa, Telmo revela ter mudado sua opinião sobre Manuel, reconhecendo nele um verdadeiro patriota português. Maria comenta que sua mãe finalmente conseguiu dormir após dias de insônia, graças às notícias trazidas por Jorge de que os governadores já não perseguem Manuel.

Fascinante! A conexão simbólica entre os três retratos (S. Sebastião, Camões e D. João) representa diferentes facetas do patriotismo português: o mártir religioso que se acredita que voltará, o poeta que morreu na miséria defendendo a cultura nacional, e o fidalgo que desapareceu lutando pelo país.

Preocupações e Pressentimentos

Maria continua doente, com febre que Telmo atribui ao "excesso de pensamentos", destacando mais uma vez sua maturidade precoce. A jovem está obcecada por descobrir a identidade do homem no retrato, não sossegando até obter respostas.

Manuel comenta que o ambiente da casa parece um convento, ao que Maria responde filosoficamente que "nem sempre o que parece é". Ele menciona D. João de Portugal como figura importante e indiretamente revela a Maria que, se ele não tivesse morrido, ela não teria nascido - dando-lhe a primeira pista sobre o passado de sua mãe.

Frei Jorge traz a notícia de que o arcebispo retornará a Almada e será hospedado no palácio. Manuel precisa sair novamente, o que causa ansiedade em Madalena, que teme ficar sozinha para receber o visitante. Maria pede para acompanhar o pai para visitar a tia Joana de Castro (antiga Condessa de Vimoso, agora no convento).

A ansiedade de Madalena intensifica-se ao perceber que é sexta-feira, um dia particularmente significativo e doloroso para ela. Manuel promete nunca deixá-la sozinha com seus tormentos, demonstrando a forte ligação entre o casal.

Curioso! A menção a Joana de Castro, que se separou do marido e ingressou no clero, prenuncia o destino de Manuel e Madalena, que também seguirão esse caminho no final da obra.

Presságios e Revelações

A tristeza de Madalena atinge níveis preocupantes. Antes da partida de Maria, ela despede-se da filha com abraços emocionados, como se fosse uma despedida definitiva. Pede à aia que nunca deixe de cuidar de Maria, intensificando o clima de pressentimento trágico.

Finalmente revela-se o significado da sexta-feira: foi quando D. Sebastião perdeu a Batalha de Alcácer Quibir, quando Madalena viu Manuel pela primeira vez e quando, segundo ela, cometeu o "crime" de apaixonar-se por ele enquanto ainda era casada com D. João.

Um criado anuncia a chegada de um estranho - um romeiro (peregrino) de barbas brancas, vindo da Terra Santa. Jorge suspeita que seja apenas alguém disfarçado buscando esmolas, mas Madalena pede que o deixem entrar.

O romeiro traz os símbolos clássicos de peregrinação: o bordão (bastão de apoio) e a vieira (concha no chapéu). Afirma ser português e ter estado preso na Terra Santa por 20 anos, sofrendo fome e maus-tratos, enquanto sua família o dava por morto e seguia uma vida mais feliz sem ele.

Quando questionado se reconheceria alguma figura dos retratos, o romeiro aponta diretamente para D. João de Portugal. Madalena, em choque, foge a gritar.

Momento-chave! A revelação de que o romeiro reconhece D. João no retrato é o ponto de viragem da obra, confirmando o que Telmo sempre suspeitou e desencadeando a tragédia final.

A Verdade Revelada

Após a fuga de Madalena, Jorge pergunta diretamente ao romeiro quem ele é. Apontando para o retrato de D. João de Portugal, o peregrino responde enigmaticamente: "Ninguém". Esta resposta revela que ele próprio é D. João, considerando-se "ninguém" porque sua família o deu por morto e nem a própria esposa o reconheceu após tantos anos.

A ironia cruel da situação intensifica-se: D. João, que sobreviveu a 20 anos de cativeiro na Terra Santa, retorna para encontrar sua esposa casada com outro homem e com uma filha deste novo casamento. Nem mesmo Madalena o reconheceu, tão transformado estava pelos anos de sofrimento.

O facto de D. João considerar-se "ninguém" revela sua profunda desilusão e sentimento de não-pertença. Ele percebe que não tem mais lugar na vida que deixou para trás, que o mundo seguiu sem ele, e que sua identidade anterior foi completamente apagada.

Este momento representa o clímax da tragédia, confirmando os piores temores de Madalena e destruindo a legitimidade do seu casamento com Manuel. A revelação põe em xeque não apenas o relacionamento do casal, mas também a posição social e até mesmo a identidade de Maria como filha legítima.

Reflexão importante! A resposta "Ninguém" do romeiro ecoa a famosa resposta de Ulisses ao ciclope na "Odisseia", criando um paralelo entre os dois heróis que retornam irreconhecíveis após longos anos de ausência, apenas para encontrar sua casa transformada.

O Desfecho Trágico

O terceiro ato ocorre uma semana após a revelação. O cenário mudou para um espaço mais baixo do palácio, com referências a símbolos fúnebres como um caixão e uma cruz negra, prenunciando o final trágico.

Manuel está devastado, considerando-se "o homem mais infeliz da Terra". A saúde de Maria deteriorou-se gravemente, como evidenciado pelo lenço manchado de sangue que Manuel segura, alternando entre desespero e súplicas a Deus pela sobrevivência da filha.

Madalena carrega o peso da culpa por ter-se casado com Manuel sem provas definitivas da morte de D. João. Jorge tenta consolar o irmão, assegurando-lhe que estão fazendo o possível para proteger Maria, inclusive mantendo-a afastada da verdade sobre a situação.

Como solução para o escândalo e a impossibilidade moral de manter o casamento, Manuel e Madalena decidem entrar para a vida religiosa, separadamente. Jorge informa que os documentos e permissões necessários já foram obtidos junto ao arcebispo, e que um padre realizará a cerimónia de ingresso nos conventos.

O desfecho concentra-se na preocupação com Maria e no temor de que ela descubra toda a verdade. Jorge defende que é melhor poupá-la desses conhecimentos por enquanto, mantendo a esperança de que Deus intervirá para protegê-la do pior sofrimento.

Conclusão dramática! O ingresso na vida religiosa representa para Manuel e Madalena não apenas uma solução social para seu dilema moral, mas também uma forma de penitência e busca de redenção pelos erros que consideram ter cometido.