Análise de "Ela canta, pobre ceifeira"
Este poema é outro exemplo da exploração da dor de pensar na poesia pessoana. O sujeito poético observa uma ceifeira que canta enquanto trabalha, e questiona-se sobre como alguém com uma vida tão dura pode ser feliz. A ceifeira representa a felicidade inconsciente que o poeta inveja mas não consegue alcançar.
As características contrastantes são evidentes:
- Ceifeira: canta sem pensar, inconsciente, aparentemente feliz
- Sujeito poético: sente pensando, consciente, angustiado
Logo na primeira estrofe, o poeta introduz a dúvida sobre a felicidade da ceifeira "Julgando−sefeliztalvez", mostrando como a sua própria consciência interfere até na percepção da felicidade alheia.
O canto da ceifeira é descrito com imagens de pureza e harmonia "Ondulacomoumcantodeave,/Noarlimpocomoumlimiar", criando um contraste com a angústia do poeta. Este canto desperta sentimentos contraditórios no sujeito poético "Ouvi−laalegraeentristece", revelando a natureza paradoxal da sua relação com a felicidade.
Paradoxo central: O poeta deseja "ser tu, sendo eu" - quer ter a "alegre inconsciência" da ceifeira, mas mantendo "a consciência disso", o que é impossível.
Na parte final do poema, o sujeito poético apela a entidades simbólicas (céu, campo, canção, ciência) para que entrem dentro dele e o libertem da sua condição. Reconhecendo que "Pesa tanto e a vida é tão breve!", expressa o desejo de que estas entidades tornem a sua "alma a vossa sombra leve" e o levem consigo.
O poema ilustra o drama existencial de Pessoa: a impossibilidade de conciliar a consciência com a inconsciência, o pensar com o sentir. A ceifeira representa um ideal inatingível de felicidade inconsciente que o poeta, condenado à lucidez, jamais poderá alcançar.