A Dor de Pensar e o Conflito entre Sonho e Realidade
A consciência é, para Pessoa, uma condenação. O pensamento excessivo impede o sujeito poético de viver com simplicidade. A lucidez, em vez de libertar, aprisiona. Por isso, o poeta inveja seres que vivem pelo instinto, como o gato que brinca ou a ceifeira que canta sem pensar.
Nestes seres encontra-se uma existência pura, livre da dor do pensamento. Paradoxalmente, Pessoa deseja ser inconsciente com consciência disso – um desejo impossível que aprofunda o seu abismo interior. Em "Ela canta, pobre ceifeira", este contraste é pungente: "Ah, poder ser tu, sendo eu! / Ter a tua alegre inconsciência / E a consciência disso!"
Na poesia ortónima, o sonho surge como evasão da realidade, mas também como um campo frágil e ilusório. O sujeito poético procura, através da imaginação, escapar ao tédio e à angústia do real. No entanto, essa fuga revela-se frequentemente inútil: os sonhos, ao serem sonhados, perdem a sua pureza.
O poeta vive num constante limiar entre o desejo e o desengano, entre a esperança idealizada e a desilusão inevitável. No poema "Não sei se é sonho, se realidade", esse conflito é vivido intensamente: "Não é com ilhas do fim do mundo / Nem com palmares de sonho ou não / Que cura a alma do seu mal profundo."