O Cómico e a Representação do Quotidiano
O cómico é uma forma de representação artística centrada no riso que, na obra vicentina, cumpre frequentemente uma função didática. Divide-se em três tipos principais: o cómico de situação, que resulta do próprio enredo; o cómico de caráter, que decorre do temperamento das personagens; e o cómico de linguagem, que nasce da desadequação da fala ao contexto.
O cómico de linguagem manifesta-se através de diversos recursos como ironia, sarcasmo, apartes, trocadilhos, gírias, calão, expressões populares, dialetos e línguas deturpadas. Estes elementos contribuem para tornar as situações mais engraçadas e, simultaneamente, mais críticas.
A verosimilhança é outro aspeto fundamental desta farsa, que revela aspectos autênticos do quotidiano da primeira metade do século XVI. Mostra a clausura das raparigas solteiras, a influência materna, as tarefas domésticas e os casamentos negociados, onde o futuro marido era frequentemente pouco conhecido pela jovem.
A obra contrapõe dois mundos: o rural (representado por Pêro Marques), simples e sem artificialidade, e o urbano e cortês (personificado pelo Escudeiro), caracterizado pela ostentação social e o culto das aparências. Esta oposição revela a hipocrisia entre o ser e o parecer, exemplificada na figura do Escudeiro, um homem ambicioso que, embora pobre, finge pertencer a uma classe social elevada.
💡 Através do riso e da caricatura, Gil Vicente consegue que o público reconheça os próprios defeitos e os da sociedade. É mais fácil aceitar a crítica quando ela vem embalada em humor!