A Teoria da Justiça de Rawls

Como seria uma sociedade verdadeiramente justa? John Rawls (1921-2002) tenta responder a esta pergunta através de uma teoria contratualista que se baseia num acordo hipotético entre pessoas.

No contratualismo, a organização da sociedade depende de um contrato imaginário que estabelece os princípios básicos de convivência. Este contrato inclui uma situação inicial, o acordo hipotético e os resultados desse acordo. Quando subscrevemos este contrato, ganhamos direitos mas também assumimos deveres e obrigações.

Para descobrir os princípios de uma sociedade justa, Rawls propõe uma experiência mental chamada posição original. Nesta situação, todos os indivíduos estão cobertos por um véu da ignorância que não lhes permite conhecer as suas próprias características e interesses, garantindo assim escolhas imparciais.

💡 Pensa nisto como dividir um bolo entre amigos: se não souberes qual fatia vai ser tua, provavelmente vais dividi-lo em partes iguais!

Diante da incerteza criada pelo véu da ignorância, Rawls propõe que usemos a regra maximin - maximizar o mínimo. Como não sabemos que posição teremos na sociedade, o mais racional é estabelecer princípios que garantam um mínimo satisfatório para todos, especialmente para os que estão em pior situação.

Os Princípios da Justiça

Segundo Rawls, na posição original, as pessoas escolheriam três princípios fundamentais para uma sociedade justa, organizados hierarquicamente:

1. Princípio da liberdade igual - Cada pessoa deve ter direito igual ao mais extenso sistema de liberdades básicas (expressão, reunião, religião, propriedade) que seja compatível com um sistema idêntico para todos.

2. Princípio da igualdade equitativa de oportunidades - As desigualdades sociais e económicas devem estar ligadas a funções e posições abertas a todos em condições de igualdade justa de oportunidades.

3. Princípio da diferença - As desigualdades económicas e sociais só são legítimas se beneficiarem as pessoas menos favorecidas da sociedade.

Esta hierarquia é fundamental: as liberdades básicas nunca podem ser sacrificadas em nome de vantagens económicas. Rawls rejeita claramente os sistemas totalitários e defende que garantir liberdades básicas é necessário, mas não suficiente para uma sociedade justa.

🔑 Perceba que Rawls não defende a igualdade total! Ele aceita desigualdades, desde que beneficiem os mais desfavorecidos.

Os três princípios juntos formam uma estrutura que tenta corrigir as injustiças que resultam da "lotaria natural e social" - o facto de nascermos com diferentes talentos, em diferentes contextos sociais, algo que não escolhemos.

As Críticas de Nozick

Robert Nozick (1938-2002), um libertarista, criticou fortemente a teoria de Rawls, apesar de ambos valorizarem os direitos individuais. Nozick defende um Estado Mínimo que apenas proteja a liberdade, a propriedade privada, faça cumprir contratos e mantenha a paz.

Para Nozick, qualquer interferência além disso (como protecção social, saúde pública ou educação) deve ser deixada a organizações privadas. Ele rejeita as teorias padronizadas de distribuição de riqueza, como a de Rawls, que exigem que o Estado determine um padrão de distribuição.

Em vez disso, Nozick propõe a sua "teoria da titularidade" baseada em três princípios:

• Princípio da aquisição: como obtivemos legitimamente a propriedade
• Princípio da transferência: como transferimos legitimamente a propriedade
• Princípio da retificação: como corrigir aquisições ou transferências injustas do passado

Nozick argumenta que a distribuição proposta por Rawls apresenta dois problemas graves:

1. As escolhas livres das pessoas perturbam constantemente qualquer padrão de distribuição
2. Manter um padrão exige interferência constante do Estado na liberdade individual

💭 Nozick usa o exemplo do jogador Wilt Chamberlain para mostrar como a cobrança de impostos para redistribuição seria equivalente a trabalho forçado e violaria o direito à propriedade sobre si mesmo.

Para Nozick, as desigualdades não são necessariamente injustas. O que importa é como a propriedade foi adquirida ou transferida. Se foi de forma legítima, o resultado é justo, independentemente da desigualdade que possa existir.

A Crítica Comunitarista de Sandel

Michael Sandel (n. 1953) apresenta uma crítica à teoria de Rawls a partir de uma perspectiva comunitarista. Enquanto o liberalismo de Rawls coloca o indivíduo e seus direitos em primeiro lugar, o comunitarismo prioriza a comunidade e o bem comum.

Sandel discorda da ideia liberal de que o bem comum seja simplesmente o resultado da combinação das preferências individuais. Para ele, o bem comum tem prioridade moral sobre as preferências pessoais, e a comunidade precede o indivíduo.

Um ponto fundamental da crítica de Sandel é que não nos autodeterminamos completamente. Existem laços comunitários que moldam a nossa identidade antes mesmo de podermos fazer escolhas. Por exemplo, não escolhemos a nossa família, mas ela influencia muitas das nossas preferências.

Sandel considera que o método proposto por Rawls para encontrar os princípios da justiça (a posição original e o véu da ignorância) falha completamente. Ao colocar as pessoas numa situação anterior a qualquer moral, Rawls torna impossíveis as escolhas morais autênticas.

⚠️ Segundo Sandel, não é possível pensar no que é justo sem antes ter uma concepção do que é bom, e esta noção do bem vem da comunidade, não de preferências individuais descontextualizadas.

Em resumo, Sandel critica Rawls com duas teses principais:

• A noção de bom é anterior à de justo
• A comunidade precede o indivíduo

Conceitos Fundamentais

A filosofia política que estudamos utiliza vários conceitos-chave que precisamos compreender:

O contratualismo é uma abordagem que considera que as obrigações morais e políticas derivam sua legitimidade de acordos hipotéticos estabelecidos sob certas condições. Rawls utiliza esta abordagem na sua teoria da justiça.

A posição original é a situação imaginária proposta por Rawls onde, sob um véu de ignorância, as pessoas escolhem os princípios que governarão a vida social. Esta posição garante imparcialidade na escolha.

O véu da ignorância é o elemento que caracteriza a posição original, excluindo todas as informações sobre características individuais e sociais. Sem saber qual será a nossa posição na sociedade, somos forçados a escolher princípios que sejam bons para todos.

A equidade representa a reciprocidade ou simetria de relações garantida pelo véu de ignorância. Como ninguém está em vantagem ou desvantagem na escolha dos princípios, as decisões tendem a ser justas para todos.

💡 A teoria de Rawls é frequentemente chamada de "justiça como equidade" justamente porque enfatiza a importância de condições justas para o estabelecimento dos princípios sociais.

A regra maximin é um princípio prudente de decisão que nos recomenda considerar os piores resultados possíveis e optar pelo menos mau, maximizando o ganho mínimo e minimizando a perda máxima.

O Estado mínimo, defendido por Nozick, é um Estado cujas funções se limitam a garantir a segurança e a impedir o uso indiscriminado de força sobre as pessoas e a sua propriedade.